sexta-feira, 22 de março de 2013

A interação dos conhecimentos, por Salvatore D'Onofrio

Ao concluir essas leves considerações sobre os vários tipos de conhecimentos, é oportuno salientar que o saber não se adquire por compartimentos estanques, conforme uma rígida ordem de sucessão. Numa sociedade indígena ou primitiva, com o conhecimento mítico e empírico, ocorre também a prática do artesanato, podendo dar-se ainda a manifestação de uma ciência rudimentar. Se é lícito admitir que a evolução da sociedade humana determine mudanças na tipologia do saber, tal transformação deve ser vista em termos de predominância de um modo sobre o outro, nunca como exclusividade. Assim, apenas de forma geral, podemos dizer que a era antiga se caracterizou pelo predomínio do saber mítico e artístico, enquanto a era moderna aprimorou o conhecimento filosófico e científico. O erudito italiano Giambattista Vico (1668-1744), o pai da Filosofia da História, em sua obra principal, A Ciência Nova, consegue formular uma síntese entre a teoria “linear” do desenvolvimento histórico da humanidade, centrada na ideia do progresso, e a teoria “cíclica” dos cursos e recursos históricos, baseada no princípio da recorrência.

Pela teoria do progresso, um período da história do homem divide-se em três etapas: a época dos deuses, quando predomina o governo teocrático, a sensação, a natureza violenta; a época dos heróis, caracterizada pela aristocracia guerreira, pela nobreza, pela imaginação; e a época dos homens, centrada na democracia, na ordem social, na razão. Pela teoria cíclica, cada período se renova ao longo da história de uma forma alternativa, o fim de um ciclo de cultura dando origem a uma nova fase de barbárie, e assim sucessivamente. Isso explicaria por que civilizações outrora gloriosas, como a grega, a egípcia, a chinesa, entraram em declínio, voltando ao estágio primitivo.

Outra consideração a ser feita é que a dificuldade em distinguir os vários tipos de conhecimento não atinge apenas o plano diacrônico, mas também o sincrônico. Arte, ciência e filosofia dialogam no dia a dia, pois a atividade criativa e a atividade reflexiva estão intrinsecamente relacionadas na prática social. A correspondência entre os vários ramos do saber é um fato incontestável. Freud foi estimulado a descobrir um dos princípios fundamentais da psicanálise, o Complexo de Édipo, com base na reflexão sobre um trecho da peça Édipo Rei, do dramaturgo grego Sófocles. O escritor francês Jules Verne (1828-1905) criou o romance científico de antecipação: suas obras de literatura fantástica, além de serem a base da moderna ficção científica, oferecem sugestões valiosas para o desenvolvimento científico. Aliás, o próprio nome science fiction indica a simbiose entre a arte e a ciência.

No sentido contrário, é a ciência ou a filosofia a influenciar as artes. Veja-se, por exemplo, o romance naturalista do escritor francês Émil Zola, que usa a teoria do determinismo e o método científico da observação dos fatos reais para a criação de seus personagens. Diz-se que viveu em um bordel por vários meses para melhor caracterizar a personagem-título de seu romance Naná. Mais recentemente, o professor norueguês Jostein Gaarden teve a feliz ideia de misturar filosofia e ficção. Inovando no ensino da História da Filosofia, criou um romance, O Mundo de Sofia, de sucesso mundial, no qual envolveu numa trama romanesca o melhor do pensamento reflexivo dos pré-socráticos aos melhores filósofos da atualidade.

Na vida prática, é difícil distinguir e separar perfeitamente as atividades utilitárias, artísticas, científicas ou filosóficas. Até que ponto nosso pensar é filosófico ou nosso canto é artístico? Uma cadeira Luís XV, que dois séculos atrás era feita para sentar-se, hoje serve apenas para decoração de ambiente: um objeto de uso tornou-se de arte. É que a diferenciação entre a finalidade das várias atividades humanas é relativamente recente, própria de sociedades altamente civilizadas. Entre os povos primitivos, toda atividade individual ou grupal está em função da comunidade, visando à sua conservação. Assim, por exemplo, o desenho de um animal numa pedra ao longo de um caminho, antes de um valor estético, tem a finalidade de alertar sobre o perigo da existência do animal feroz naquela região. Rudimentos de arte, de filosofia e de ciência encontram-se misturados com mitos e ritos religiosos nas atividades cotidianas.

Basta refletir sobre o fato de que a Medicina só no fim do século passado, com o químico e biologista francês Louis Pasteur (1822-1895), o descobridor dos microorganismos, adquiriu o estatuto de verdadeira ciência. Antes, por muitos séculos e vários lugares, era uma atividade mágico-religiosa, praticada por sacerdotes, pajés e curandeiros, que exigiam a fé do doente na força espiritual do exorcista como principal meio de cura. Ainda hoje, não é raro o caso de encontrarmos cientistas supersticiosos ou poetas fascinados por descobertas científicas. Marinetti, o pai do Futurismo, tentou anular a tradicional antinomia da ciência e da arte, apregoando a síntese entre a máquina e o sentimento. O poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz, que morreu aos 84 anos, em 1998, considerado um dos escritores símbolos da América hispânica (junto com o chileno Pablo Neruda, o peruano Mario Vargas Llosa, o colombiano Gabriel García Márquez e o argentino Julio Cortázar), afirmou claramente a existência de uma interação profunda entre arte, filosofia e ciência:

“Para mim, a poesia e o pensamento são um sistema de vasos comunicantes.
A fonte de ambos é a minha vida: escrevo sobre o que vivi e vivo.”

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